Sons e ritmos têm, comprovadamente, o efeito de aumentar a concentração e a capacidade de planejamento das ações da criança. Veja como os estímulos musicais podem contribuir para o desenvolvimento mental dos pequenos
Texto: Cristina Almeida / Foto: Shutterstock / Adaptação: Clara Ribeiro
Em entrevista, especialista fala sobre os benefícios da musicoterapia para os pequenos
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Todos somos seres musicais, capazes de identificar e codificar uma série de sons, timbres, contornos melódicos, harmonias e ritmos. Ouvir música é uma atividade que requer o bom funcionamento dos sistemas auditivo e nervoso, o que faz dessa experiência algo não só mecânico, mas também sensorial: a música nos emociona, acalma, estimula e ajuda a sincronizar o trabalho e as atividades de lazer.
Apesar da intensa relação existente entre os seres humanos e a música, somente a partir dos anos 1980, a Neurociência, ramo da medicina que estuda o comportamento, o processo de aprendizagem, a cognição e os mecanismos de regulação orgânica, passou a observar os vários tipos de reações causados por estímulos musicais.
Há 60 anos, porém, a música já era utilizada com fins terapêuticos, e hoje é vista com entusiasmo, em razão dos resultados obtidos no tratamento de diversas doenças neurológicas (acidente vascular cerebral, doença de Alzheimer e outros tipos de demência, retardamento mental, perda da linguagem ou funções motoras, amnésia, autismo, doença de Parkinson, entre outras). Para muitos, a música é a única chave capaz de abrir portas para respostas positivas, após uma lesão cerebral.
Luisa Lopez, neuropsiquiatra infantil do Centro de Reabilitação Eugênio Litta de Roma e consultora científica da Fundação Mariani, entidade que financia e promove pesquisas sobre Neurociência e música na Itália, diz que a música realmente pode favorecer o desenvolvimento cerebral, mas adverte que os pais devem aprender a ser críticos diante da ansiedade de fazer das crianças gênios mirins.
Segundo a especialista, é preciso evitar equívocos como o chamado “efeito Mozart”, febre que levou pais de todo o mundo a impor aos filhos horas seguidas de audição de uma determinada sonata do músico austríaco, com o único objetivo de torná-los mais inteligentes. Luisa concedeu essa entrevista exclusiva à VivaSaúde de Roma, na Itália, onde reside.
Qual é o efeito da música sobre o feto? Luisa: Verifica-se o aumento do batimento cardíaco e ritmo da respiração, propiciando um estado de maior atenção. Na mãe, além das respostas do sistema nervoso autônomo (responsável pelo controle da respiração, temperatura e circulação do sangue), podem ser identificados sinais de bem-estar.
Quais são os principais benefícios para a saúde das crianças?Luisa: A música pode trazer benefícios em vários níveis. Por exemplo, treinando o ouvido, é possível desenvolver a capacidade de perceber corretamente os sons e timbres desde muito cedo na infância. Além disso, podem-se melhorar algumas capacidades do tipológico, viso-espacial e lingüístico. Um estudo realizado no Canadá demonstrou o aumento do QI imediatamente após um período de treinamento musical, já que as crianças apresentavam melhor desempenho em uma série de itens contidos no teste para avaliação das habilidades visuais, espaciais e matemáticas. Todavia, o próprio autor daquele estudo decidiu aprofundar essas conclusões e hoje sustenta que o que realmente melhora nas crianças é a capacidade de concentração e de planejamento das próprias ações. Essas são funções relacionadas aos lobos frontais que nos permitem planejar, coordenar e executar uma série de ações complexas, necessárias à plena eficiência. Crianças com déficit de atenção são carentes dessas funções e, assim, o treinamento musical para elas pode trazer resultados positivos.
Que tipo de música é indicado para os pequenos? Luisa: Cada pessoa tem suas preferências e, portanto, possui uma identidade musical. Por isso, é difícil indicar qual tipo de música pode agradar ou não a uma criança. Lembro apenas que os pequenos aprendem e compreendem a música partindo da repetição das seqüências musicais, sob conceitos muito precoces de consonância e dissonância, e não apreciam a intensidade elevada. Os pais devem definir um momento para ouvir música, evitando o uso abusivo de “fundos musicais” que coloca a música em segundo plano e atrapalha o processo de formação do gosto musical.
Existe algum instrumento musical mais adequado para a infância? Luisa: Sim. O instrumento ideal para o ensino da música é a voz.
A musicoterapia é indicada para crianças? Luisa: A finalidade da musicoterapia é estabelecer uma interação, relação ou reabilitação por meio do uso de um instrumento sonoro. A técnica não está ligada à aquisição de competências musicais, porque seu objetivo é promover a interação. Quando isso ocorre, há uma troca entre as pessoas: existe uma expectativa, é preciso ter atenção a tudo o que o outro diz e faz, as pessoas devem adaptar as próprias ações ao que está ocorrendo no contexto, além de respeitar as regras de comportamento grupal. Todos esses elementos podem ser trabalhados em uma sessão de musicoterapia. Assim, ela é indicada nas situações em que essas habilidades estejam comprometidas: nos casos de autismo, retardo mental, distúrbios de comportamento, depressão, demência, entre outros.
Em que idade é aconselhável iniciar a terapia? Luisa: Como a musicoterapia deve acontecer num contexto multidisciplinar, cada caso deve ser avaliado pela equipe que cuida do paciente. Contudo, a capacidade de percepção e compreensão da música é muito precoce na criança (3 – 4 meses). O estudo tradicional de um instrumento é difícil e não deve jamais ser uma imposição. Por outro lado, é importante que a criança viva em um ambiente estimulante e variado do ponto de vista musical.
A musicoterapia deve ser guiada por um especialista ou os pais podem ajudar no processo decura em casa? Luisa: A musicoterapia deve ser guiada. Na Itália, existem escolas de formação onde os profissionais são preparados na teoria e na prática. Faz parte do curso um estágio supervisionado junto às estruturas de reabilitação. O curso segue critérios da confederação de classe e os alunos recebem certificado de especialistas. Se os pais desejam colaborar, devem seguir as orientações dos profissionais.
Quais sons seriam ideais para as crianças? Luisa: Eu sugiro que as mães cantem para seus filhos as canções que fazem parte da cultura popular. Em todas as culturas existem canções de ninar com características rítmicas e tons que, para as crianças, são muito calmantes e agradáveis. Parece que elas acham muito mais interessante escutar a mãe (ou a voz de uma mulher que não seja sua mãe) cantando do que a sua fala. Então, não me agrada a idéia de uma “trilha sonora”, contínua e passiva. Sugiro uma música doce que a mãe cantarola para seu filho. Por outro lado, a música ocidental, com características harmônicas e tonais, muito regulares, pode ser agradável e favorece a atividade cerebral. Ressalto apenas que é preciso evitar equívocos como o ocorrido nos anos 1990, quando aconteceu a explosão do “efeito Mozart”: as pessoas falavam que escutar uma sonata de Mozart teria o poder de potencializar a inteligência. Esse estudo fez com que muitas mães impusessem a seus filhos somente aquela sonata do compositor austríaco. A coisa foi tão clamorosa que o governo de um Estado americano adotou a idéia como política social e passou a distribuir cds para todas as grávidas do local! Ora, sabemos que esse efeito não existe. O que existe é apenas o aumento da capacidade de atenção, se comparada com crianças que permaneceram no silêncio.
No último mês de junho, especialistas de todo o mundo se reuniram em Montreal para um congresso sobre musicoterapia. Quais são as novidades sobre o tema? Luisa: A maior novidade é o uso disseminado da música nos casos de reabilitação: seu aprendizado favorece a retomada da atividade motora, mesmo para as ações da vida cotidiana. Destacaria o uso da Melodic Intonation Therapy (Terapia de Entonação Melódica), que usa o canto como forma de estimular o lado direito do cérebro, que, conforme estudos realizados pela Faculdade de Medicina de Harvard e pela Universidade de Música e Drama de Hannover, comprovadamente garante a progressiva melhora da capacidade de falar, além de ter colocado o piano no patamar de grande estrela das terapias de reabilitação, cujo estudo potencializa a coordenação motora de pacientes vitimados por AVC.
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