A CRIANÇA SONORA
O universo infantil é sempre receptivo aos fenômenos sonoros. A vibração e alegria
demonstrada pelas crianças quando estão produzindo som revela que tal atitude é da
ordem do prazer e da emoção. Não há muitas dúvidas sobre esta íntima relação da
criança de 0 a 6 anos de idade com o som, porém muito mais poderia ser alcançado
nessa “afinação” criança/música se os profissionais de educação infantil se aventurassem
a conhecer um pouco mais sobre este tema ─ que, vale lembrar, está nos referenciais para
a educação infantil ─, lendo e ampliando seus conhecimentos e suas possibilidades de
trabalho.
Quando a criança fica à vontade para produzir algum tipo de som, de certa maneira ela está
começando a se conscientizar de que tal atitude proporciona interferências e sintonias de
caráter intra e interpessoal ou social. Intrapessoal no que se refere à criança estar atenta às
informações sonoras captadas, a partir daí construindo e elaborando, através de sinapses e
“conexões emocionais”, sua futura habilidade de se relacionar e se comunicar com o mundo.
Fazer som nos objetos, ou retirar som das coisas que estavam silenciosas, faz com que as
crianças percebam que esta atitude sonora possui uma implicação social: chama a atenção
de sua professora, de sua mãe, enfim, todo mundo a olha com satisfação ou com um certo
desagrado. Assim, a criança percebe que, ao produzir som, está se envolvendo com outras
pessoas, interferindo no ambiente à sua volta, dentro de uma sala de aula ou em casa,
mexendo nas panelas da mãe.
Tais sistemas sonoros, embora um pouco difíceis de serem compreendidos, são parte
integrante da construção dos sentidos e da identidade da pessoa. John Dewey (1954) já
alertava para importância da descoberta sonora pelas crianças, quando disse que “mesmo
uma criancinha que esteja interessada em bater em um prato, com uma colher, não está
empenhada somente em uma reação de excitação momentânea. O choque entre a colher
e o prato produz certo som, que a criancinha acompanha, interessando-se por ele,
justamente porque é o resultado de sua pancada na louça, e não um resultado indiferente.”
(p.33)
É interessante observar as crianças envolvidas com tambores, pandeiros, chocalhos,
sucatas diversas numa creche. Algumas parecem entender que o som obtido por elas pode
interagir com o som do amigo ao lado. E também percebem que há pessoas atentas para
com sua atitude sonora. Enquanto isso, há aquelas que demoram a sair de um estado de
observação intensa e ficam mais tempo vagando entre um instrumento e outro, observando
o tambor, chupando o chocalho, até se darem conta de que estão ali reunidos para fazer
som. Ou seja, com atenção podemos perceber, já na creche, aquelas crianças que ficam
à vontade com a produção sonora.
O educador que atua com crianças de 0 a 2 anos deve se exercitar para aguçar ainda mais
a sua percepção, pois estará inserido num ambiente onde haverá muita ação e pouca
explicação. Todo movimento, todo som emitido, tudo deve ser observado, e isto só se
consegue com um constante exercício de questionamento e atenção para alguns detalhes
como: Qual a reação da criança ao produzir um som? Como ela segurou o instrumento?
Com carinho? Com raiva? Com timidez? Com desenvoltura? A música é um conteúdo
presente nos referenciais da educação infantil e deve ser trabalhado também pelo professor
de turma com muita atenção.
Quando uma criança, a partir de um gesto, produz um som, ela o faz em conexão com seu
esforço corporal. A simultaneidade entre o movimento e o som que chegou aos seus ouvidos
é algo muito simples e comum para o adulto, mas para o bebê parece ser um momento
mágico. O som, e sua forma etérea de existir, dificulta a sua percepção, seu entendimento e,
conseqüentemente, dificulta o trabalho. É preciso entender o som como algo palpável e que
toca as pessoas. Não somente um toque emocional, mas também físico, concreto; na
verdade, são ondas mecânicas sensibilizando o corpo e o cérebro. Faz-se necessário
oferecer às crianças pequenas uma maior oportunidade de conhecer a grande variedade
de sons que os objetos (timbres) fornecem, para que haja um equilíbrio na supremacia dos
estímulos visuais e tácteis que lhe são oferecidos.
A produção sonora que pode ser obtida a partir de qualquer objeto (instrumentos de
percussão, sucatas, etc.), vem sempre acompanhada de um movimento. Observe que cada
objeto fornece um movimento “sonoro corporal” diferente. O movimento do braço que alcança
e sacode o chocalho preso ao berço, o tambor que é percutido com força, ou um objeto que
é lançado distante na expectativa de resposta sonora poucos segundos depois, revelam
que som e movimento estão interligados. O bebê ao deslocar um objeto do lugar, a voz da
mãe ao acariciar seu filho, um momento de carinho entre pessoas... Muitos momentos da
vida vêm acompanhados de uma expressão corporal e sonora.
O desenvolvimento musical/cultural do ser humano está intimamente ligado à faixa etária
que vai de 0 a 6 anos.
O som adormecido toma vida com as atitudes das crianças. Quieto em seu berço, o bebê
escuta sons das mais variadas fontes. Compartilha com sua mãe e pessoas afins uma
perfeita harmonia entre o som e o movimento. Balbucia, grita, chora, ri e canta. A educação
musical inicia-se com pesquisa sonora feita pelos bebês.
Cantar mais, ampliar as fontes sonoras e valorizar os gestos das crianças são tarefas para
os educadores atentos e pais compromissados com um melhor desenvolvimento de seus
filhos.
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Bibliografia
Dewey, John. Vida e Educação. São Paulo: Melhoramentos, 1954.
fonte: José Henrique Nogueira - http://reflexodosom.blogspot.com.br/2016/01/a-crianca-sonora.html?m=1
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